Mas também pode correr tudo de forma diferente do esperado e ficarmos com uma ideia de que corre tudo mal. Vamos crescendo com um conjunto de ideias pré-definidas de como planeamos a vida, como nos imaginamos em x anos, onde queremos por o nosso expoente de felicidade. No entanto, de uma forma ou de outra, os nossos planos não seguem de forma tão linear. E é preciso recordarmo-nos que esses desvios normalmente não são algo letal, apenas nos vão ensinando que para tudo há um plano B, que eu gosto de ver como o plano “brilhante”. Brilhante porque inevitavelmente abre os nossos olhos para um mundo mais vasto, de mais oportunidades, cheio de beleza e bondade. Porque nos ensina muito sobre resiliência e sobre a confiança no desconhecido. Porque lentamente nos ensina muito sobre nós próprios, porque vai acalmando a nossa vontade de controlar o incontrolável. Este ano já tive várias oportunidades de experimentar este “brilhantismo”. Talvez um dos pontos máximos desta aprendizagem tenha sido as minhas férias na altura do meu aniversário. O plano inicial era uma viagem em grupo ao Uzebequistão. Experimentar o choque cultural, a oportunidade de me deixar maravilhar com as obras arquitectónicas da rota da seda, não ter que me preocupar com a organização de um roteiro e a possibilidade de o fazer conhecendo novas pessoas: ingredientes perfeitos para um plano excelente. Contudo, acabou por não haver inscrições suficientes para a viagem se poder realizar. E, assim, a cerca de um mês do meu período de férias, precisava (urgentemente) de um plano alternativo. Já tinha anteriormente estado a explorar alternativas, todas elas implicando um programa construído por mim e tendo-me como principal companhia. A escolha acabou por cair sobre o Panamá, incluindo visita à Cidade do Panamá e ao arquipélago de Bocas del Toro. E foi melhor do que alguma vez podia imaginar. Viajar sozinha é um desafio, sobretudo porque a nossa rede de segurança fica longe, porque no imediato só nos temos a nós e essa sensação, por vezes, chega a ser (ligeiramente) aterrador. Mas penso que é mesmo isso que acaba por tornar a experiência em algo bastante enriquecedor: inevitavelmente vamos respondendo às solicitações da vida, vamos compreendendo que estamos perfeitamente bem connosco próprios e vamo-nos entregando à confiança ilimitada no desconhecido, acreditando na bondade das pessoas e do mundo. Passei o meu dia de aniversário num lodgeno meio da selva com dois casais americanos nos seus 50s, um casal anfitrião muito relaxado e um instrutor de yoga muito alternativo, que me deu o abraço de parabéns mais verdadeiro que alguma vez recebi de alguém com quem não tinha grandes laços. Apesar de todos eles serem completos desconhecidos, consegui sentir-me “em casa” e, acima de tudo, sentir um amor tremendo pela vida, indescritível. Claro que também se foram fazendo presentes ao longo do dia a famosa “rede de segurança”, de família e alguns amigos próximos, talvez um elemento-chave para poder sentir casa em todo o lado. E, assim, consegui terminar o dia a agradecer este volte-face e a compreender que desvios no caminho podem ser simplesmente uma forma de utilizar a minha criatividade e construir um plano B.
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600 g de vitalidade
Perpétuo Movimento
É interessante a experiência de estar parado enquanto tudo à nossa volta é movimento. Sentada numa cadeira de aeroporto, à espera de um voo de ligação, ocupei parte do meu tempo a analisar esta dinâmica. Um corropio de pessoas foi-se movendo à minha frente: algumas com um destino claramente definido, outras com um ar mais perdido; algumas a alta velocidade, outras com um passo mais lento; umas com expressão de felicidade e tranquilidade, outras parecendo mais ansiosas e preocupadas. Mantive-me quieta, meia imune a todo este frenesim, mas apreciando-o. Há alturas em que a vida nos pede muita actividade e muito movimento. Há alturas em que a vida nos consome o tempo e avança a alta velocidade. E há outros momentos em que nos convida a estar mais resguardados, a saborear internamente o desenrolar do tempo, em atitude de contemplação e de reorganização interior. E todos estes momentos compõe a maravilha que é viver, tanto os momentos de reboliço, como os de tranquilidade. Tanto os momentos de certezas bem definidas, como aqueles tão indefinidos que parecem pintar um arco-íris de cinzentos. Tanto os momentos em que o nosso coração saltita de alegria e energia, como os momentos em que somos habitados por uma nuvem negra. A única certeza que nos pode servir de guia é que a vida se move por ondas e tudo passa, só precisamos de a deixar desenrolar-se, respeitando a velocidade certa de cada momento.
“Inserir destino final”
Lembro-me das nossas viagens em família pela Europa fora, numa época ainda pré-GPS, guiados apenas por mapas e por indicações nas estradas. Não me recordo de termos andado verdadeiramente perdidos, mas lembro-me de, por vezes, darmos umas boas voltas até chegarmos ao local pretendido. Na semana passada, confiei no meu GPS para me guiar até um sítio para mim desconhecido. Claro que o obriguei a recalcular o percurso várias vezes e acabei por dar mais umas voltinhas que as necessárias. Mas não andei perdida, tinha o meu destino bem traçado, sabia onde queria chegar. A nossa vida não foge a este esquema. Se tivermos o nosso horizonte bem definido e mantivermos os olhos nele focados, não há forma de nos perdermos. Podemos andar às voltas, sentirmo-nos absorvidos e afogados pelas complexidades dos inúmeros problemas com que somos confrontados diariamente, mas há uma linha condutora que nos guia e que nos pode ir sempre aproximando daquilo que queremos para a nossa vida, mesmo que por vezes tenhamos a sensação que andamos bem distantes dela. Enquanto crianças acreditamos que essa linha é formada pelos nossos sonhos, ao crescermos envergonhamo-nos desta nossa capacidade de sonhar e passamos a chamar-lhe valores e objectivos de vida. No entanto, parece-me que se nos agarrássemos mais à ideia de sonho, mais facilmente acreditávamos na possibilidade do impossível e colocaríamos menos barreiras a trabalhar por aquilo que queremos ver projectado no nosso amanhã. É imperioso continuarmos a questionarmos-nos frequentemente e sem medo sobre qual o destino que queremos inserir no nosso GPS, pois vai ser ele que vai nortear as nossas decisões e vai dar sentido aos nossos investimentos de tempo e de energia. E, sobretudo, vai dar significado aos caminhos que tivermos que percorrer, por vezes mais longos ou mais difíceis que o esperado, mas sempre guiados pela chama de um sonho que nos pertence.
Caminho de voltar
Aprendemos que o caminho se faz andando em frente, mas na verdade muitas vezes só se consegue fazê-lo voltando para trás. Há uns dias fui percorrer um pequeno trilho em direcção a uma queda de água, com o principal objectivo de fotografar a luz e as cores do outono. O percurso de ida foi agradável pelo silêncio, apenas preenchido pelo chilrear dos pássaros, pela companhia do curso de água e pela sempre boa sensação que é atingir um objectivo. Contundo, esperava cores de outono mais vibrantes e não tons de castanho a gritar a seca. O caminho de voltar pemitiu-me saborear a paisagem com uma nova luz e conseguiu preencher-me o coração. Foi exactamente o mesmo trilho, mas possivelmente os meus olhos estavam mais preparados para contemplar a natureza, tal como ela é. Demorei mais tempo a regressar, estive mais tempo simplesmente parada a admirar a envolvência e a procurar capturar da forma mais fiel possível estes breves momentos. Lembrei-me que na vida, por vezes, é preciso retroceder uns bons passos para que sejamos inundados por alguma claridade e possamos dar o real valor não só ao presente, mas ao próprio passado. Só olhando para trás é possível recordar conscientemente as maravilhas com que vamos sendo presenteados e, assim, caminhar confiadamente em direcção ao futuro
Contrariar a ferocidade dos dias
Desde que o tempo é tempo, que o dia tem 24h, cada hora 60 minutos e cada minuto 60 segundos. No entanto, parece que com a idade vamos perdendo a capacidade de saborear plenamente toda esta realidade na sua verdadeira extensão. Vamos sendo contagiados pela ferocidade que o mundo actual e o seu fascínio pela produtividade económica nos impõem, ficando perdidos no meio de correrias, numa sucessão de aconteceres que deixamos irem-se desenrolando. Perdemos o agora numa tentativa inglória de prepararmos o melhor possível a vida que projectamos para um outro amanhã, que se projecta sempre cada vez mais longe.
Tenho vindo a aperceber-me que esta ferocidade me tem consumido um pouco, me vai roubando a capacidade de me maravilhar com o extraordinário no ordinário e me torna impaciente, incapaz de respeitar os ritmos naturais da vida. A melhor maneira de contrariar esta tendência é através do despertar dos sentidos para a beleza do que me rodeia. Sento-me ao fim do dia na varanda e deixo que os suaves pores do sol de verão me ensinem qual a verdadeira velocidade que deve reger a minha vida, a velocidade que me permite abrir os olhos à contemplação e à acção de graças, a velocidade que me permite saborear o momento do agora, esperando serenamente pelo momento seguinte.
“Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus”
Tempo, tempo, tempo
Guardo com algum saudosismo a memória das nossas férias passadas em família pela Europa fora. As saídas de madrugada, ainda bem antes do sol se levantar, mas com a energia de quem tinha dormido uma bela noite de sono. As bandas sonoras que nos entretiam ao longo de muitas horas seguidas de carro. O explorar descomplicado dos limites das nossas zonas de conforto. O caminhar em direcção ao desconhecido, sem planos traçados, nem horários rígidos, com a total liberdade de ir desvendando o caminho. As visitas a todas as igrejas que apareciam pelo caminho, sempre a agradecer pelas oportunidades extraordinárias com que éramos presenteadas. As paisagens fantásticas que os nossos pais nos ensinaram a admirar. O viver o presente no tempo certo, sem estar com preocupações projectadas para o futuro, nem a remoer um passado que já não é possível mudar. E, sobretudo, a certeza e o conforto de ter ali comigo e a viver aquele presente quatro das pessoas mais importantes da minha vida. O tempo que os meus pais investiram nestes momentos é das maiores lições e das maiores dádivas que alguma vez podiam ter dado.
A vida foi-me ensinando que o tempo que passamos com os outros, não é um “gasto”, mas sim um investimento e a memória destes momentos reforça esta ideia. Só é possível cimentar relações conhecendo a outra pessoa e, para isso, temos que nos dispor a utilizar o nosso tempo para tal. Num mundo em que, muitas vezes, parece que não somos mais que pequenas formiguinhas a correr de um lado para o outro atarefadas, oferecer o nosso tempo a alguém é uma dádiva preciosa e um exercício de altruísmo. A verdade é que, na vida de relação, sempre que nos arriscamos a semear, colhemos algo. Pode não ser no tempo que esperamos, nem na forma como pensamos. O mais importante acaba por ser ir fazendo caminho e aproveitando estes momentos e estas companhias que ele nos oferece, explorando ao máximo o infinito temporal que se esconde nestes gerúndios temporais.
“Tempo a gente tem
Quanto a gente dá
Corre o que correr
Custa o que custar”
Conta as Estrelas do Céu
Na segunda-feira aproveitei uma longa conversa ao telefone para me deitar no chão do quarto com a cabeça para a varanda, a olhar para o céu. Numa primeira olhadela apenas se evidenciaram as luzes dos aviões. Mas tinha tempo, até estava uma noite confortável, com um vento morno, por isso, deixei-me estar a contemplar mais um pouco. Com o habituar dos olhos à escuridão, foi-se tornando evidente que, mesmo num ambiente repleto de poluição luminosa, consigo encontrar um céu estrelado. A única condição necessária para isso é de parar e dar tempo para que o aparente invisível se torne visível aos meus olhos. É impossível não continuar com um paralelismo para a minha vida e pensar na imensidão de coisas que me passam despercebidas, só porque vou demasiado rápido e me descuido na minha capacidade de admirar o que me rodeia. Ou nas inúmeras vezes que me deixo começar afundar numa espiral de negativismo e me esqueço de ir à procura destes pequenos e subtis pontos luminosos. Olhar para o céu e procurar estrelas ajuda a sonhar com a liberdade total de um pássaro, sem pensar em problemas nem contratempos, com toda a esperança e confiança do mundo.
Nascer todas as Manhãs
Miguel Torga, in “Diário (1982)”
Escondido na Brisa
É interessante reparar como as folhas das árvores e mesmo as mais pequeninas flores se balançam alegremente com a mais discreta brisa, aquela que muitas vezes nos passa despercebida. Na maior parte das vezes, esquecemo-nos de saborear este leve sopro, do conforto que é baloiçar ao seu ritmo, e esperamos pelos ventos mais fortes, os que já incomodam, para nos fazermos conscientes da sua presença.
Gosto de fazer o exercício matinal de olhar para o céu e, no caminho para o trabalho, procurar sempre maravilhar-me pela beleza que se esconde em tudo aquilo que me rodeia, sobretudo naqueles dias em que sinto o coração mais delicado. É fácil apreciar a sublimidade divina nos dias em que a alegria do sol reveste tudo, mas também é possível procurá-la na expressividade dos céus cinzentos de chuva, que tantas vezes correspondem a um espelho daquilo que se vai passando no nosso interior. Gosto de olhar para a natureza e ver como vai respondendo e se vai adaptando às mudanças do tempo, como incentivo a que também eu me vá ajustando com essa suave harmonia ao passar do tempo e das fases na minha vida. Gosto de nas noites mais profundas poder descobrir um céu pontuado por infinitas estrelas ou uma lua cheia gigante que engole toda a escuridão. Gosto de correr ao ar livre ao fim do dia, da possibilidade que isso me abre de me deixar envolver pelo calor do sol e de me fortalecer com o abraço do vento.
Há sempre problemas para resolver, momentos de tristeza para digerir e momentos em que simplesmente tudo parece sair completamente ao lado daquilo que se projecta. Mas a serenidade que estes breves pontos de gratidão me permitem encontrar ajuda a que a recuperação dessas alturas de maior desolação seja mais tranquila. No fim de contas, aquilo que todos no fundo desejamos é sermos felizes e o fundamental é ir fazendo as escolhas que mais nos vão aproximando disso, com a plena consciência que é uma estrada tortuosa e não um caminho fácil.
“Começa por fazer o que é necessário, depois o que é possível e de repente estarás a fazer o impossível”